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Ruben Martins: Um olho na forma,

     Ruben Martins, que seguiu liderando o forminform em 1960, morreu ainda jovem, com 39 anos, em 1968. Mesmo assim, produziu ao menos cinqüenta marcas nesse período. Nascido em 1929 na cidade paulista de Piratininga, Ruben cursou apenas o segundo grau. Autodidata, dedicou-se à pintura, indo viver na Bahia no início dos anos 50, onde se relacionou com artistas como Marcelo Grassman, Carybé e Mario Cravo. Voltando a São Paulo em 1955, auxiliou Geraldo de Barros no projeto de móveis da Unilabor. Daí à sociedade no forminform foi um passo curto, que Ruben deu com entusiasmo. Muito articulado, “era um mestre na catequese do design”. Na gráfica, “é como se descobrisse seu verdadeiro lugar”. (Leon, 1989a: 135)

     Uma de suas primeiras criações independentes e certamente a mais lapidar é o “b” do fabricante de cosméticos Bozzano, de 1960: uma barra que se curva sobre si mesma, tocando sua própria pele de forma leve e precisa. Outro B, feito para o fabricante de tecidos Braspérola também em 1960, parte dos rolos de tecido que se empilham desordenadamente nas lojas do ramo, num belo exemplo de manutenção de qualidades visuais e tipográficas.

     Ruben Martins produziu identidades com um olho na forma e outro nos desdobramentos narrativos e lúdicos de suas aplicações. Na marca da Casa Almeida & Irmãos [1960], uma loja de presentes, Ruben inscreve a palavra “casa” em um retângulo, recombinando os vazios tipográficos produzidos pela operação. Inicialmente desassociadas tanto espacial quanto cromaticamente, essas formas decorativas se reúnem aos poucos para produzir uma casa colorida. Comportando-se como um padrão irregular, o logotipo cria um jogo tipográfico que se espalha por sacolas, caixas e papéis de embrulho. Não por acaso, o resultado lembra um poema concreto: Ruben conhecera Décio Pignatari no forminform e trabalhou com ele em diversos projetos, incluindo vários anúncios-poemas para o laboratório Procienx, cuja identidade também fora criada por ele.

     Já a apresentação conceitual da identidade da fábrica de balas Belavista, de 1965, é um story-board cinematográ co cheio de trocadilhos internos, onde o papel torcido que embala a bala transforma-se em uma bala (bélica) que abala e rompe a bala embalada, expondo aos poucos o vocábulo bala e desvendando afinal o logograma “belavista” e o sinal da empresa. Ruben produziu dezenas de estudos de padrões para papéis de bala utilizando o sinal como base, em chave puramente lúdica.

     Embora fosse muito profissional, cuidadoso e exigente (fazia questão de acompanhar de perto – e muitas vezes refazer – todos os trabalhos que passavam pelo escritório), seu ritmo de trabalho em nada lembrava a disciplina e a assepsia das oficinas ulmianas. A informalidade e a desorganização de Ruben chegavam a preocupar os próprios funcionários do forminform. Boêmio, adentrava a noite trabalhando ou, ao contrário, emendava uma madrugada de boemia com uma manhã de trabalho. Foi no funal de uma dessas noitadas, já com o prazo de apresentação do projeto de identidade da Rede de Hotéis Tropical por um fio, que Ruben viu a sombra de uma costela-de-adão projetada sobre a parede de sua casa ao chegar de manhã. Estava criado não apenas o sinal do hotel, mas toda a sugestão de transparências e superposições cromáticas a ser utilizada na sua comunicação.

     Baseados nessa informalidade, diversos críticos, colegas e amigos de Ruben procuraram dissociar a obra produzida por ele de sua origem alemã. João Carlos Cauduro dizia que seu desenho era mais “macio, orgânico, sem a rigidez dos seguidores intransigentes da escola alemã”; Emilie Chamie o chamava de “transgressor”; o publicitário Petit notava “uma descontração de artista dentro dele, principalmente nas cores”; o arquiteto Livio Levi chegou a declarar que “sua graça não nasceu no rastro daquelas suiçadas que no Brasil têm um certo sabor de neve em flocos, aos 40 graus do trópico” (idem: 137). Confrontadas com a produção de Ruben, no entanto, essas declarações não passam de retórica. Ao nível da forma, seus projetos de identidade respiram os ares da mais pura ordem, disciplina e precisão. Seu mérito nunca esteve em negar os princípios da escola alemã, mas em incorporá-los a um modo próprio de projetar, explorando suas possibilidades lúdicas e narrativas.

STOLARSKI, A. . A identidade visual toma corpo. - Ruben Martins: Um olho na forma, outro no seu desdobramento. In: Melo, Chico Homem de. (Org.). Design gráfico brasileiro: anos 60. 1ed. São Paulo: Cosac Naify, 2005, v. 1, p. 230-235.

por André Stolarski
outro no seu desdobramento
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